sábado, 19 de julho de 2008

Taxionomista


Acordei, nessa manhã, sentindo um gosto estranho na boca e, como sempre faço, fechei os olhos e comecei a analisar aquele sabor. Tenho a singular mania de dar nome aos bois, mesmo que os bois sejam impalpáveis sentimentos, voláteis odores, sensações táteis ou apenas simples idéias, no final das contas, tudo precisa ser definido e categorizado dentro dos meus paradigmas avaliativos, com a máxima precisão. Não me levantei tão logo abri os olhos, fiquei paladeando o estranho gosto, buscando aquela inefável definição, até que, passados alguns bons minutos, falei pra mim mesma, num sorriso: “reminiscências”. Sim, certamente, reminiscência era a interpretação do sabor que sentia entre a língua e o céu da boca.

Depois desse vitorioso achado, senti-me invadida, momentaneamente, por um sentimento de satisfação, que fugazmente brilhou em meus olhos. Chegara, enfim, à descrição efetiva, solicitada por minha obsessiva idiossincrasia catalogadora de sentidos e intenções.

Como é de costume, a simples identificação do fato não é suficiente para aplacar-me a ânsia de taxionomista. Olhei para mim mesma no espelho oval da penteadeira e as reminiscências de toda a minha vida, até agora vivida, passaram diante dos meus olhos, vi que aquilo que considerava inato, minha protetora indiferença, meu distanciamento do mundo, não passa de construções: um processo contínuo e incessante de acúmulo de experiências, frustrações de expectativas, rejeição de alguns fundamentos de mim e aquisição de trejeitos e personas enaltecidas pessoal ou culturalmente.

Então, reconheci-me naquela imagem que se refletia pálida na placa de bronze e vi o rosto de mármore ser desvelado, duro e frio, confusamente eu. E disse: “sim sou EU, sou também”.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Insano Limiar


Não há qualquer dúvida: existem momentos na vida em que nossos limites são testados ao extremo, é como se Deus estivesse nos experimentando para nos mostrar de que têmpera somos feitos. Eu, cada vez mais, sei qual é minha triste natureza. Conheço o fascínio que a angústia exerce sobre mim, e mesmo com todo o mal que ela me faz, quando sinto o seu gosto subindo pela minha garganta, permaneço sentindo ela vibrar e palpitar no meu íntimo. Acho que existe algo nessa angústia que me faz crer que sou menos banal e menos moldada às misérias desse mundo. Mas a verdade é que eu não saberia viver sem a angústia, pois são tão poderosas as suas forças em minha alma, que o seu tumulto me mantem seguindo em frente, escrevendo. Minha angústia me impele a isso.
"O dom que sossega a minha tristeza, só ela constrói, sem ela tudo me dói, deixa pra lá..."
(Vanessa da Mata, Eu não tenho)

domingo, 6 de julho de 2008

Há alas de pessoas boas, boas, onde estão?

“Tudo o olho fala
Olho pedaço exposto do coração
Olhar linguajar, língua já
A palavra é quem mascara
Mente, mente, mente
Mente é imaginação
Imagem de pau é cara, cara
Cara mentira, cara criação”
(O perdão, Vânia Abreu)





Ando extremamente amarga esses dias. Alguns amigos podem até dizer que o adjetivo não combina comigo. Mas me sinto ácida, corrosiva, numa TPM constante. Me irrito profundamente com tudo. E me pergunto: quanto de minha irritação tem legitimidade? O quanto disso tudo cabe exclusivamente a mim? Quanto ao outro posso atribuir alguma responsabilidade?

Sinto-me exasperada com as pessoas, conhecidas e desconhecidas, e tento afastá-las de mim, para que não lhes diga da minha insatisfação, para que eu não venha a explodir em seus ouvidos os pensamentos que me perturbam.

Suspiro, respiro e transpiro quando vejo os egos emergirem das máscaras de “pessoas boas”. Tenho ânsias de vômito ao ver pessoas dizerem que procuram o seu lugar no mundo, sem de fato nunca terem sequer tentado. Não suporto gente que arrota a sua intelectualidade e revira os olhos para opinião alheia. Detesto pessoas estilosas, bem como aquelas que só seguem o que “está se usando”. Não suporto pessoas lerdas, muito menos as que se fingem de lerdas. Odeio pessoas manipuladoras que se fazem de vítimas e de pobres coitadas.

E, embora tudo isso me esteja sendo insuportável, tenho que continuar a aceitar que no mundo existem todos os tipos de pessoas, e que o meu tipo pode ser, até mesmo, insuportável para alguém.

Afinal, ultimamente, muitas vezes, eu mesma não me suporto, e vejo em mim algumas das coisas de que falei antes.

Diário íntimo - Para Helena


"Aqui estou eu, como diante de um espelho. Minha imagem inteira se projeta - um esforço apenas, deteriorado por todas as espécies de sonhos. Sinto-me de pé à espera da transformação - sei, sei dolorosamente que me transformarei - e enquanto isto, ouço escorrer dentro de mim esse sangue escuro feito pelos detritos de tudo o que amei, de tudo o que concebi e que supus mais alto. Há um inverno permanente que me cerca - sinto que me falam ao ouvido, palavras que ninguém jamais escutou - e a solidão traça seus estreitos caminhos, quando o mar bate e o tempo fala de suas débeis conquistas. Não somos ISTO - o que existe, está além, muito além de nós. As vozes que escuto são sombras da verdade. A verdade é tudo ainda que não advinhamos."

Lúcio Cardoso (às vezes me sinto tão ele....)