quarta-feira, 6 de junho de 2007

O silêncio

“Mas, se uma verdade individual é tudo que um livro pode encerrar, resta-me aceitar escrever a minha. O livro de minhas memórias? Não; se a memória é verdadeira, ela assim o é enquanto não for fixada, enquanto não for encerrada numa forma. O livro de meus desejos? Também estes só são verdadeiros quando seu impulso atua independente de minha vontade consciente. A única verdade que posso escrever é a do instante que vivo. Talvez o verdadeiro livro seja este diário no qual tento registrar a imagem da mulher na espreguiçadeira, em diferentes horas do dia, assim como a observo com as várias incidências da luz.””
(Italo Calvino, Se um viajante numa noite de inverno)


Olho o papel em branco e penso o que me impulsiona a escrever. Antes parecia tão fácil, era só começar e as palavras me saiam à maneira de uma inspiração.Aquele tipo de desejo compulsivo que se realizava sem esforço, sem desilusão.
No entanto, tudo parece tão mais difícil agora, e sempre que começo a escrever algumas linhas, nada me consola, nada me satisfaz, é como se eu tivesse perdido algo que nunca tive. Este meu outro eu obscuro que se origina no nada.
E o que tenho para dizer??? No momento, só tenho a minha vontade de escrever sem conseguir.
Há mais coisas que são ditas em silêncio.
Há momentos em que o silêncio é capaz de nos dizer aquilo que a alma cala.
Em silêncio sou capaz de ouvir os sussurros daqueles que me acompanham translucidamente. Vozes ancestrais.
E nada me parece mais belo que o silêncio. Ah, o silêncio!!!! Nos transporta para dimensões outras de nós mesmos. E flutuando ligeiramente sobre a última melodia, sinto-me ir ao reencontro com a beleza de mim.
As visões de lugares nunca visitados me invadem, e desejo, dentro do silêncio, me transportar para além das quatro paredes do meu quarto, evadir desse desejo de permanecer.
O silêncio é meu amante, e esse amor que ora desperta, reelabora identidades, faz nascer ou renascer coisas boas dentro de nós, e não posso me furtar de dizer que, enquanto vivo esse sentimento que me aproxima infinitamente de quem desejo ser, a despeito da distância do que serei, vejo aflorar o melhor de mim.
No momento, o que mais gosto é desse silêncio abençoado em que me encontro, tendo tempo para refletir e, concomitantemente, escrever, operando a catarse de mim, separando-me definitivamente do eu que um dia fui.
Fui....mas já estou vindo... e essa que transborda pelas beiradas da minha alma, que seja bela, que seja leve, que saiba sorrir, sem medo de ouvir o silêncio.

Nenhum comentário: