terça-feira, 8 de novembro de 2011

O menino do tempo


Era uma vez, um menino.
Se via logo que era esperto e inteligente, pois apesar de jovem, já sabia muita coisa, mas muita mesmo, sobre as coisas que são importantes saber.
 Mas havia um problema: ele não se lembrava de quase nada do que sabia. Tinha essa mania de esquecer e, pior, mania de fingir que não era importante lembrar.
E uma das coisas que ele esqueceu – a mais importante de todas – é que ele, justo ele, era o senhor do tempo. E por não saber, ou melhor, por não se lembrar, ele vivia às turras com o passado, o presente e o futuro. E, em vez de ele mandar no tempo, era o tempo quem nele mandava.
Ao passar dos anos, ele fez do relógio o seu mais importante amuleto. Não conseguia ficar sequer uma hora sem olhar o dito cujo. Só se desligava das horas quando dormia, e nem assim, em sonhos atemporais, o menino se permitia se libertar do círculo rítmico dos ponteiros em seu pulso.
E se passaram muitos outonos e primaveras, e verões e invernos, e o menino a se perder por entre as horas, tentando – bravamente - corresponder às exigências do tempo.
Até que um dia, ele conheceu uma bruxa meio fada, uma mulher meio menina, uma anjo meio demônio, que lhe disse: “você é o menino do tempo”. Ele não entendeu o que ela queria lhe dizer, porque não se lembrava do que era. Mas ela não desistiu e deu a ele um pouquinho de sua poção mágica que tinha o poder de paralizar o tempo.
Que susto o menino levou. Se sentia perdido sem o controle que o tempo exercia sobre ele. Estava tão acostumado àquela vida escrava dos minutos, que a liberdade em vez de lhe trazer paz, lhe trouxe medo.
Então a bruxa perguntou: - de que você tem medo, menino do tempo?
Ao que ele lhe respondeu, com aquele jeito inquieto e incomodado, de quem não tinha, nem queria ter tempo para pensar, muito menos falar sobre essas coisas: - eu tenho medo de que o tempo acabe, de que não exista mais tempo…
- E porque você deseja que haja mais tempo? – indagou, com olhos curiosos a fada.
- Para ser feliz oras… - exclamou como se fosse óbvio.
- E quando você vai ser feliz? No futuro?
- Sim, no futuro. Quando eu alcançar tudo o que eu eu desejo. Dinheiro, poder, respeito, admiração, amor…
- E se eu te disser que você já pode ter tudo o que você deseja? Só basta que você faça um único sacrifício? O que você me diria?
Ele nem pensou duas vezes antes de responder, falou com a voz firme: - faço qualquer negócio!!!
Então ela lhe disse:
- A única coisa que você tem de fazer é quebrar o seu relógio e desfazer o tempo. Você o criou, só você poderá destruí-lo. O tempo tem te consumido. E na verdade, ele só existe por que VOCÊ acredita nele.
Ele olhava para o relógio, como se ponderasse quebrá-lo. Porém, balançou a cabeça, e com um olhar muito pouco convencido do que ela lhe disse, o menino se apoderou do relógio totalmente intacto e sumiu – sem olhar pra trás.
Essa história termina assim: não se sabe o que irá prevalecer, se o tempo ou se o menino.
Mas a bruxa menina anjo fada mulher demônio sabe qua ainda há muita coisa para acontecer no tempo desse menino e torce, ardorosamente, para que ele se torne aquilo que precisa ser: o menino do tempo. 

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Exercício de auto-piedade

As minha palavras se originam, em grande parte, dos ecos da minha tristeza e da minha solidão. Mãs não de uma certa tristeza advinda das coisas mais banais, mas daquela dor enraizada que emana da solidão humana, dessa nossa condição limitada, forjada na inconsciência e que nos impõe a incompreensão de nós mesmos. As deformações do espelho que nos reflete, a visão turva que nos impede a contemplação do tempo, em mim, habitam recônditos circulares cheios de portas e janelas que se abrem e se fecham intermitentemente. Não alimento tais sentimentos, mas eles se revolvem obscura e tumultuosamente dentro de mim, sem que eu saiba como escapar de sua existência. Talvez alguém conseguisse encontrar expressões mais eficientes para essa visão informe que, entre um sentimento vivo e uma impossibilidade total de compreensão, conduz meu pensamento a uma espécie de dilaceramento, de incoerência. Mas teimo em tentar penetrar como meus olhos opacos esse mundo que imagino erigir-se na sombra. E, por sempre fracassar, sinto, então, que sou um plano inacabado, um esboço abandonado, uma frase não pronunciada, um sonho que alguém esqueceu quando acordou.

domingo, 2 de outubro de 2011

Onde não queres nada, nada falta


Ah! Bruta flor do querer
                                                                 Ah! Bruta flor, bruta flor
(...)

O quereres e o estares sempre a fim
Do que em mim é em mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente impessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há, e do que não há em mim

(Caetano Veloso)


sexta-feira, 30 de setembro de 2011

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Múltiplos

Existem duas dentro de mim, uma que ri e uma que chora; uma que deseja e outra que devora. Existem quatro dentro de mim: uma que pensa e uma que sente; uma que inspira e outra que mente. Existem seis dentro de mim: uma que é silêncio e outra que é tormento; uma que é sacrifício e outra que é lamento; uma que é saudade e outra que é, simplesmente, maldade. Múltiplas existem em mim...

sábado, 17 de setembro de 2011

Melancolia

O que seria da felicidade se não fosse um cadinho de tristeza? Sempre fui uma pessoa um tanto quanto melancólica. Mas o que dizer dessa melancolia que se funde e se dispersa num riso quase infantil que trago em meus lábios?  Digo benvinda!!!! Digo bendita!!! É essa melancolia - que de mim não se desgarra – que me permite olhar bem fundo para os meus medos e trazê-los à superfície dos espelhos em que me reflito. E porque hoje me conheço um pouquinho mais, posso dizer que fui triste todos os dias em que fui feliz, mas que também fui feliz todos os dias em que fui triste, mas não o sabia… não sabia! E porque hoje o sei, é que digo: estou em paz e feliz, mais feliz do que jamais havia imaginado ser possível… Mas aquela tristeza profunda, aquela que me traz até este ponto equidistante de mim mesma, essa eu hei de tê-la, aqui, sempre, bem dentrinho de mim. 

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Poltrona sinistra



Quando chegava em casa, cansada do trabalho, tinha o costume de deixar as roupas penduradas no encosto da poltrona azul que fica no meu quarto. Algumas vezes notei que as roupas sumiam. Desapareciam como num toque de mágica. Só depois de muito tempo é que fui descobrir: a minha poltrona é roupívora. E tem mais, ela digere as roupas e os detritos aparecem jogados embaixo dela. Outro dia eu descobri algo ainda mais inusitado, a poltrona está evoluindo na cadeia alimentar, ela agora é sapatívora, pois já não somem apenas as roupas mas também os sapatos. Aí tenho que confessar, meu medo sabe qual é? É de que ela evolua até ser carnívora... Então vocês já sabem… se eu sumir, a culpa é da poltrona!

PS: E num é que procurando imagens para colocar no blog eu não encontrei um livro sobre uma poltrona maldita???? Devem ser parentes. Leio??? kkkk


sábado, 13 de agosto de 2011

sábado, 30 de julho de 2011

Futebol 10 X Novela 1


Sabe aquelas meninas que dizem que gostam de futebol, mas que entre a novela e um bom jogo do brasileirão sempre irá preferir a novela??? Eu definitivamente não sou dessas. Eu adoroooooooooo futebol, ir pra estádio, analisar a escalação dos times, assitir a todos os telejornais futebolísticos. Eu gosto tanto de futebol, que já ouvi até namorado reclamar, que “pior que ter uma namorada que não curte futebol, é ter uma namorada que curte mais que você”. E de fato, acontece com mais frequencia do que eu gostaria. Por essas e outras que eu digo que existe um lado muito masculino em mim. Será que eu sou gay???   Nãããããã…. infelizmente mulher não a é minha, eu já até experimentei, mais de uma vez inclusive… sei lá, não rola… falta alguma coisa…!!! Mas voltanto ao futebol, ultimamente tenho assistido a muitos jogos, um deles memorável: Santos X Flamengo. E fico me perguntando, porque não temos mais  jogos assim? Porque o futebol virou um jogo em que não tomar gol se tornou mais importante do que fazê-los??? Não seria maravilhoso que a média de gols de uma rodada fosse acima de 10??? Enfim, se eu fosse presidente da FIFA ia dar um jeito nisso, mas como não sou, vou descer para ver Flamengo X Grêmio, esperançosa de que pelo menos seja um 3 X 2. Pra quem? Não interessa, sou são paulina e baêeeeeeeeeea!!!!

quarta-feira, 13 de julho de 2011

"É no "não" que se descobre de verdade o que te sobra além das coisas casuais...
Me diz se assim está em paz? Achando que sofrer é amar demais"

Los Hermanos



Metamorfose ambulante

O São João passou. Passei.  Estive calada, passando a chuva, o frio, as noites escuras do meu inverno. Mas, enfim, passei.  Um novo momento desponta no horizonte dos meus anos. E embora tudo esteja como sempre esteve: nada é igual. Mudei o olhar. Em lugar daquela melancolia cinzenta, recubro meus dias de tons mais amenos, tons de risos e gargalhadas, tons de frutas adocicadas, tons de acordes de violão, tons da minha alma. E sem mais nem menos, percebo que passei e continuo passando por um turbilhão de transformações que me fazem ser menos e me fazem ser mais. Hoje apenas sei que as mudanças não acontecem, elas são. E agora, cubro os pés quando durmo. 

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Gonzaguinha e eu


"Eu apenas queria que você soubesse
                                                                  Que aquela alegria ainda está comigo
E que a minha ternura não ficou na estrada 
Não ficou no tempo presa na poeira

Eu apenas queria que você soubesse
                                                             Que esta menina hoje é uma mulher
E que esta mulher é uma menina
Que colheu seu fruto flor do seu carinho

Eu apenas queria dizer a todo mundo que me gosta
                                                                           Que hoje eu me gosto muito mais
Porque me entendo muito mais também

E que a atitude de recomeçar é todo dia toda hora
                                                                               É se respeitar na sua força e fé
E se olhar bem fundo até o dedão do pé"

terça-feira, 14 de junho de 2011

Um exercício de paz

 DECIDI não me mover. Não irei em nenhuma direção, PERMANECEREI... Apenas aguardando, com o coração apaziguado, aquilo que o vento trará de novo. DENOVO. 

sexta-feira, 10 de junho de 2011

PAZ

"Nós não precisamos de nada, apenas de paz, 
e todas as nossas ações devem ser tomadas 
para estar em paz e dar paz aos nossos irmãos de jornada." 


terça-feira, 7 de junho de 2011

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Criatividade

Passei alguns bons dias sem ter nada para dizer. E nem mesmo agora, que me vejo motivada a escrever, sinto o impulso criativo que por vezes me invade.A criatividade em mim é como uma onda que vem se avolumando aos poucos e de repente estoura, cheia e densa, bem próxima à praia da minha consciência.Creio que dentro de nós existem milhares de ondas adormecidas, apenas esperando um espaço/tempo para se desenrolar.E assim, de mim, só posso dizer que sigo buscando o relógio e bússola, para extravasar o que tão dentro quer despertar.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Minha mão


Nela deposito meu destino... só depende de mim ser o que preciso ser!!!

sábado, 14 de maio de 2011

Que dia estranho...

Hoje foi um dia esquisito: o frio, que se tornou costumeiro nos últimos dias, não deu trégua. E dentro de mim, o frio sempre provoca um certo estranhamento prazeroso. Contudo, a estranheza não veio disso, mas sim do fato de ter tido, justamente hoje, duas conversas com pessoas que foram importantes na minha vida, uma que me magoou profundamente e outra a quem eu machuquei na mesma fundura e/ou profundidade. Engraçado como a ordem das conversas me fez ter uma nova perspectiva sobre as coisas. Não sei muito bem o que eu aprendi com isso, mas sei que alguma coisa estranha está se processando dentro de mim... algo que não me traz certezas, talvez alguma paz... uma pequena parcela de paz nesse mar de angústia que é a vida.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Ervas, nudez e bruxas

Em novembro do ano passado, eu acordei um dia me sentindo diferente, e não conseguia identificar o que havia mudado. Mas inegavelmente, eu não era mais a mesma pessoa. A princípio me pareceu que era apenas uma mudança física, não daquelas kafkianas, mas uma mudança sutil na forma com que meu cérebro e meu coração reagiam ao mundo. E então tudo que eu era começou a morrer, todas as minhas proteções foram sendo lentamente retiradas de mim: a gordura que recobria o meu corpo, um amor de fantasia e sem futuro algum, o prazer em viver através de uma existência virtual e, acima de tudo, as certezas sobre o que e quem eu era.

Já se passaram quase 6 meses e as coisas em mim continuam a morrer. Sei que enquanto morro lentamente, um novo eu se engendra nas minhas entranhas. Pouco sei sobre o que estou me tornando... mas saber não importa tanto assim. Importa é ir me tornando aquilo que preciso ser.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Traveling 3


A cultura celta sempre esteve presente nos meus interesses. Por algum motivo que não posso alcançar, a música celta, as paisagens da Irlanda e, sobretudo, os mitos, as lendas e os filmes sobre eles sempre me instigaram e me transportaram para um tempo-espaço imaginário ou mesmo metafísico - quem sabe? - em que uma parte de mim encontra ecos sussurrantes.

Não há nenhum outro lugar no mundo que mantenha uma identificação ancestral tão forte com os celtas quanto a Irlanda. E justamente por isso, que é para lá que preciso ir, em breve...

domingo, 1 de maio de 2011

Soprando as cinzas

Quando uma história de amor chega ao fim, é preciso aprender a passar serenamente por todas as etapas dessa espécie de luto que nos toma. 

A princípio, negamos o fim, achamos que em breve a pessoa amada vai voltar nos dizendo que estava errada em querer nos deixar, nessa etapa qualquer indício de dor é sufocado pela esperança, na maioria das vezes infundada, de que tudo voltará a ser como uma dia fora. 

Quando a aceitação começa a tentar se impor sobre a esperança, a dor já não é evitável, ela nos consome, nos atordoa, nos empurra a cometer erros, a traçar planos de vingança e a querer esfregar na cara do outro o quanto ele perdeu ao nos deixar. Nessas trajetória, quase tudo o que fazemos irá surtir um efeito justamente contrário daquilo que desejávamos. Acabamos por afastar mais ainda aquele que amamos.

Então, chega o momento em que começamos de fato a aceitar o fim. A imagem da pessoa começa a ficar difusa, já não lembramos dela todos os segundos do nosso dia, cada vez há menos espaço na nossa memória para os momentos bons que vivemos juntos. A dor é uma visitante cada vez mais ausente. 

É hora de cremar o amor dentro da gente.O amor morreu, não há nada que o faça ressuscitar. É hora de pegar o vasinho em que depositamos as cinzas desse amor, e soprá-las ao vento. É hora de agradecermos pelo bem que vivemos e simplesmente seguir em frente.

E o mais importante, descobrir que o amor que morreu não foi capaz de nos destruir, mas sim de fortalecer. Para que sejamos melhores e mais fortes para um novo amor que irá, em breve, germinar.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

A flor de Schopenhauer


"A flor respondeu - Bobo! Acha que abro minhas pétalas para que vejam? Não faço isso para os outros, é para mim mesma, porque gosto. Minha alegria consiste em ser e desabrochar."
(Schopenhauer - Parerga e paralipomena)

Já parou pra pensar?

Vc já parou pra pensar??? Pensar simplesmente. Não sobre as coisas triviais que nos acontecem dia-a-dia, mas porque elas acontecem??? Vc já se perguntou? Pq vivemos? sofremos? gozamos? sentimos? respiramos? Existe algum propósito na vida? Acho que é ilusão achar que chegaremos a quaisquer respostas. Contudo, perguntá-las é fundamental. Creio que aqueles que não o fazem, se omitem de si mesmos, pois é perguntando que podemos dar algum sentido a isso tudo. 

Parece paradoxal, afinal se não se tem respostas, como podemos encontrar um sentido? Eu acredito que ao nos colocarmos diante dessas questões, percebemos a nossa miudeza e insignificância no mundo, e isso, acho eu, nos torna pessoas melhores, pelo menos com mais compaixão por aqueles que, como nós, não sabem as respostas. Admito que eu não tenho paciência pra quem não se pergunta, pra que não pensa e não pára pra refletir, que não  tenta ser uma pessoa melhor pra si, pra sua família, para a humanidade.  

Acho que eu já fui dessas que não pensa, não era um tipo adolescente alienada, isso não! Afinal tive pais hippies, que fumavam maconha e que, mesmo em um nível subliminar, me deram uma formação humanista, ética e honesta. Mas acho que quando somos jovens, mesmo com uma formação moral e cultural sólida, estamos ainda muito presos na construção de uma auto-imagem, quase sempre muito distante daquilo que nos tornaremos na maturidade. 

A maturidade, além das rugas, nos traz algo muito bom, que é a capacidade de prever nossos próprios erros. E quando não é possível prever, buscar corrigi-los. Na maturidade continuamos sem saber o que queremos, mas já podemos reconhecer aquilo que NÃO queremos.

Ser plenamente feliz só é possível para os plenamente inconscientes ou os plenamente iluminados. A maioria de nós vive no meio desses dois extremos, ou seja, temos que aprender com o sofrimento e tentar nos perguntar, sempre, continuamente, porquê?

Já parou pra pensar? 

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Nunca mais volte àquele quarto de hotel


Ela tinha acabado de sair do funeral de seu pai. E pensava consigo mesma: preciso de uma anestesia geral, ou não conseguirei ultrapassar essa semana. A dor era tão intensa, que por vários segundos ela sequer ousava respirar. Lembrou da festa em que estivera há um mês atrás, tão feliz e inocente, quando nem sonhava que seu pai teria um câncer devastador que o levaria em três míseras semanas. A morte o alcançaria sem aviso-prévio, sem chances para qualquer compreensão ou expiação de culpa: tinha sido tudo puramente dor e sofrimento. 

Nada do que ela viveu até ali a tinha preparado para aquele momento, aquele exato momento em que ela atravessava os pavilhões do cemitério em direção ao próprio carro. Até o sepultamento, ela tinha um objetivo, tarefas a cumprir, obrigações sociais, pêsames a receber. Mas agora! "E agora?" Era só o que ela conseguia se perguntar. 


Então, vieram-lhe flashs de si mesma, sorrindo e flertando com um cara meio hippie, meio intelectual, totalmente anacrônico que encontrara na festa. Lembrou que ele a  tinha convidado para fumar uma massa "O Oswaldo saca? o dono da casa? tem umas coisas de qualidade..." disse, levantando as sobrancelhas, sugestivo. Ela se sentiu tentada, mas não tinha fumado até os seus 29 anos, não seria agora que iria começar... recusou e saiu dançando pela festa.

Pegou o celular e sem pensar digitou o número:

- Oi Oswaldo, como vai?
- Tati??? é vc??? soube de seu pai, gostaria de ter ido ao enterro,.... mas... como que cê tá?
- Na merda, óbvio... não liguei pra falar disso, preciso de uma coisa boa, saca?
- Você tá falando do quê???
Parada na porta do carro no estacionamento do cemitério, mal se importando com quem poderia ouvir ou não, à beira da histeria ela disse, aos berros:
- De drogas, caralho!!!!!
- Porra Tati, que merda é essa? tá me achando com cara de traficante???

Constrangida e meio sem saber como se desculpar, ela desligou o celular e entrou no carro, encostou a cabeça no volante e tentou não pensar, não respirar, não sentir. Mas sentia, sentia tudo. O celular tocou naquele ritmo irritante que eles possuem quando tocam nas horas mais miseráveis de sua vida. Pensou em não atender. Mas era o Oswaldo, ela tinha que se desculpar. Atendeu.

- Ohh Oswaldinho, des...desculpa - quase soluçando
- Tati, olha vai nesse hotel, vou te mandar um endereço por sms, procura por um cara chamado Betão, Gilberto Rodrigues, avisei a ele que você pode dar uma passada lá agora à tarde, lá tem o que você tá procurando. Ah.. sinto muito por seu pai... não sei se já disse... em todo o caso, tamos aí, falou?
Sem saber o que pensar ou decidir, ela disse - o...o...obri-ga-da.

Olhou ao seu redor, todos já haviam partido. Em algum lugar atrás de si, estavam a vala, o caixão e o corpo inerte de seu pai que seria, em breve, devorado pelos bichos da putrefação. Ela pode sentir novamente aquele cheiro amarelado e acinzentado de formol e doença, nauseante.

Deu partida no carro e saiu sem rumo. Duas horas rodando a cidade... dor incessante. 120 minutos de uma tentativa inútil de não sentir nada. Pegou o celular e leu o último sms recebido.

A porta do quarto 1114 abriu e dentro estava um cara baixinho cabeludo, com cara de gente boa, disse apenas: - Entre - e sorriu, um sorriso gentil até. Indicou uma poltrona super confortável, ela desabou.

- Seja bem vinda, o Oswaldinho é meu truta, ele disse que você viria. Ele só esqueceu de me dizer que eu deveria ter feito a barba, olha pra mim... - disse ele passando a mão pela barba mal feita - recebendo em meu hotel uma mulher linda como você, com essa cara de lixo... 

Ela pensou em falar do pai, fazê-lo se sentir mal por estar lhe passando uma cantada em hora tão amarga. Mas sentiu a dor latejar novamente e respondeu, tentando um quase sorriso:

-Obrigada pelo linda, mas eu não vim aqui pelos elogios ... - tentando parecer agradável, afinal ela também deveria estar com a cara na merda.
- Então... a senhorita deseja... -  e esperou que ela terminasse a sentença.
- O que você tem de mais forte?
Ele olhou desconfiado e perguntou: - tem certeza? Você não me parece habituada...
- Tenho certeza absoluta e posso pagar quanto for..
- Tu já usou U2? 
- A banda??? - balançou a cabeça confusa - ah não importa...é forte?
- Se é forte??? - gargalhou - não existe nada mais forte que isso! Coca e êxtase, buuuuuuummm - e fez um gesto com as mãos simulando uma explosão da cabeça. 
Ela pensou: "deve ser mais suave que um tiro nos miolos".
- Manda!

Amanhecia, quando a terceira dose da droga começava a passar o efeito. Ela se viu nua sob os lençóis de cetim negro que pareciam ter se fundido à sua pele. Betão, magro, pálido, franzino, de pau minúsculo, jazia ao seu lado, inerte. E ela começou a entrar em parafuso, começou a conjecturar se não estaria com alguma maldição, todas as pessoas em que tocava morriam. "Meus deus", pensou confusa, esfregando os olhos, tentando decidir o que fazer... quando Betão se virou de bruços e soltou um ronco profundo cheirando a whisky.

Alívio. E então, desespero. 


"Que porra eu tô fazendo aqui?". levantou e começou a vestir, desajeitadamente, as roupas que estavam espalhadas pelo chão. E decidiu que iria sair de fininho. Ao abrir a porta do quarto, Betão gritou : - é mil reais, moça!
- Mil reais?!?
Sentando na cama, com cara de sono, mas sorrindo, ele disse: - sim, senhora, cada dose é 250 e você tomou 4.
-Só lembro de três... enfim... você aceita cheque???
- Aceito não dona, mas como você é truta do Oswaldinho faço uma exceção...

Após preencher o cheque, ela o entregou a ele. 
- Obrigado dona, a trepada foi cortesia da casa - e novamente lhe dirigiu aquele sorriso gentil.

No elevador, ela pensava consigo mesma: "mas que merda Tatiana, você se drogou, trepou com um cara desconhecido, ainda por cima traficante... porraaaaaaaaa sem camisinha, caralho!!! O que você está querendo? se matar? Nunca mais volte àquele quarto de hotel, nunca mais, nuncaaaaaa..."

O elevador chegou ao saguão, tudo tão vasto e vazio àquela hora da manhã, então ela sentiu uma pontada: seu pai estava debaixo da terra, inalcançável, inatingível... olhou por uns segundos os botões do elevador, fechou os olhos e apertou o número 11. Toc-toc. Um Betão, com cara de quem não está entendendo nada, abriu a porta. Sem esperar convite, entrou. Evitando olhar pra ele, disse: - meu pai morreu! 
   


sábado, 23 de abril de 2011

sexta-feira, 22 de abril de 2011

A gente não sabe...

"Eu queria decifrar as coisas que são importantes. (...) 
Queria entender do medo e da coragem, 
e da gã que empurra a gente 
para fazer tantos atos, dar corpo ao suceder. 
O que induz a gente para más ações estranhas
 é que a gente está pertinho do que é nosso, 
por direito, e não sabe, não sabe, não sabe!"

(Riobaldo - Guimarães Rosa)

domingo, 17 de abril de 2011

A dor e a delícia de ser o que é!


Em inglês, existe uma palavra que significa grato, contudo GRATEFUL, seria melhor traduzido por "profundamente grato", ou melhor ainda "cheio de graça". É exatamente como estou me sentindo hoje, abençoada, eleita, totalmente preenchida pela graça divina... a graça de ser quem sou, de viver o que eu vivo, e porque vivo... E por isso eu sou grata. Queria poder olhar nos olhos de cada pessoa que passou pela minha vida até aqui, e dizer obrigada... obrigada a meus pais, a minha família, a meus amigos, a meus ex-namorados, a meus mestres e até mesmo aos meus poucos desafetos. Nessa parte da minha travessia pela vida, enquanto tento descobrir quem eu sou e o que eu tenho a oferecer a todos vocês, vejo que cada um me deu um pouco dessa parcela de paz que me inunda de tranquilidade. E por isso sou grata. E aqueles que ainda virão me encontrar nesse caminho, sejam bem vindos, aqui está alguém que busca aceitar, todos os dias, a dor e a delícia de ser o que sou. 

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Traveling 2



Essa semana mal deu tempo de pensar em nada, e mais uma semana de trabalho e contagem regressiva se aproxima. Mas se eu pudesse, o que eu faria nessa semana santa, seria visitar uma das cidades mais fascinantes no meu imaginário: Praga. Apesar desse nome de pouco augúrio, Praga é uma das cidades mais lindas e misteriosas das quais já ouvi falar... Não bastasse o fato de ser a cidade em que Kafka nasceu, é também a cidade de um ex-aluno meu, com quem mantive uma relação de amizade muito legal. Creio que há um equívoco em se falar da frieza do povo do leste europeu. Quando morei em Portugal, eu via cotidianamente alguns mendigos loiros, e isso me intrigava, afinal na nossa cultura, isso seria muito estranho. E aqueles homens loiros de olhos azuis, passando fome... me disseram, vieram do leste europeu. Meu coração ficou condoído, muito embora eu não queria achar que isso se deu porque eles eram loiros de olhos azuis... tão bonitos... sujos e famintos. 
Então aqui vou eu ...Destino: PRAGA


Praga (em checoPraha) é a capital e a maior cidade da República Checa, situada na margem do Vltava. Conhecida como "cidade das cem cúpulas", Praga é um dos mais belos e antigos centros urbanos da Europa, famosa pelo extenso patrimônio arquitetônico e rica vida cultural. Importante também como núcleo de transportes e comunicações, é o principal centro econômico e industrial da República Checa. Situada na Boêmia central, a cidade de Praga localiza-se sobre colinas, em ambas as margens do rio Vltava, pouco antes de sua confluência com o rio Elba. O curso sinuoso do rio através da cidade, cheia de belas e antigas pontes, contrasta com a presença imponente do grande Castelo de Praga em Hradcany, que domina a capital na margem esquerda (oriental) do Vltava.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Veredas-travessia



"Viver é muito perigoso"Sobretudo quando estamos tão longe de uma compreensão qualquer que seja. "Se o tolo admite, seja nem que um instante, que é nele mesmo que está o que não o deixa entender, já começou a melhorar em argúcia." Essa citação de Guimarães Rosa, pelo menos, me consola. Afinal, já cheguei a entender, que hoje, só sei que nada sei (Sócrates).  

"Viver é muito perigoso". Vivemos uma ilusão de controle, mas devemos nos perguntar: quanto de nossas vidas está de fato sob o jugo de nossas escolhas??? O livre arbítrio há??? Enfim, volto à Rosa, num impulso de entendimento: "Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é homem humano. Travessia."







quarta-feira, 13 de abril de 2011

Oculta

Às vezes me engano, dizendo que nesse blog eu sou mais eu do que de fato sou na vida que respiro. Na verdade, acho que no blog, como na vida, a gente mais cala do que fala sobre o que vai por dentro, bem dentro de cada um de nós. Tem certas coisas que acontecem comigo ou certos sentimentos que geram um tipo de desassossego, sobre os quais eu jamais consegui falar, nem mesmo aqui nesse espaço vazio na tela que ninguém lê... só eu sei de mim... só eu sei das profundezas dos meus olhos e das lágrimas que me escorrem por dentro. Mas deixemos a dor estar, pois como disse G. Rosa "tudo quanto há, neste mundo, é porque se merece e carece."

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Amar o próximo como a ti mesmo...

Queria falar de coisas importantes, falar do quanto estou chocada com o  massacre na escola do Rio de Janeiro, afinal isso nos afeta, como sociedade, de uma maneira tão profunda que só iremos nos dar conta no futuro, talvez não tão distante quanto esperamos. Afinal, o que leva um ser humano a matar outro, ou pior ainda, outros??? Claro que existem casos patológicos, que muitas vezes estão muito além da nossa compreensão. Como parece ser o caso do rapaz que cometeu esse ato tão desumano. Terrível seria se fosse com adultos, mas com crianças, isso é...  mais do que brutal... não tenho uma palavra forte o suficiente para exprimir o horror que isso me causa... E não há porquês suficientes para um coisa tão sem razão, tão sem sentido... Ferir outro ser humano..por que? Creio que a humanidade chegou a um ponto em que, ou aprendemos a amar uns aos outros, a ter compaixão pelo outro ou vamos tornar as nossas vidas um inferno. Para alguns esse inferno até já chegou. Penso nas mães que perderam seus filhos, nos pais, nos irmão, tios, tias, avós... enfim, aqueles que tiveram uma criança em seus braços, sorrindo e brincando, e agora têm que empunhar as alças de seus caixões, como disse, não há porquês suficientes... sei apenas que se a minha dor é pungente, eu jamais poderia estar no lugar de uma dessas mães. Embora, eu não acredite em religiões, não posso deixar de me lembrar todos os dias, o toque bacana que Jesus nos deu: ama o próximo como a ti mesmo!

terça-feira, 5 de abril de 2011

À uma nota do lesbianismo.

Praticando o violão agorinha, me descobri fazendo uma sessão de análise comigo mesma, aliás isso é o que mais tenho feito ultimamente.  Fiquei viajando nos sons de cada uma das notas, enquanto praticava meu exercício para mão direita. E me descobri me deliciando com a vibração de uma notinha em particular… Bom, eu vejo o violão assim, seis cordas, em que metade delas é fêmea – agudas e a outra metade é macho – graves.  A mais aguda de todas, a primeira corda, é um tipo de fêmea alfa em opisção à mais grave, a sexta corda, – o macho alfa. Se fossem pessoas, eu diria que o macho alfa é aquele que pega todas, estraçalha o coração das gatinhas, um baladeiro de vozeirão. A fêmea alfa, assim como a nota, é mais fraquinha, mais doce, mais gentil, se fosse uma pessoa eu diría que era um protótipo de Amélia e todas as suas implicações na atualidade. As notas do meio de cada lado, a segunda e a quinta cordas, seriam, se fossem pessoas, aquele tipo irmão do meio, embora não chamem a atenção sobre si, possuem uma profundidade e uma resiliência que quem não os conhece não pode adivinhar; imagino que se fossem pessoas, seriam do tipo intelectuais centrados. Por fim, chegamos às notas do meio, a menos grave das agudas, e a menos aguda das mais graves. Extremos e opostos que se aproximam. A nota fêmea, a terceira dentre as agudas, se fosse uma mulher, seria uma pessoa forte, de personalidade, que não tivesse receio de ser grave, mesmo sendo aguda. Já a nota macho, a menos grave de todas, seria um homem sereno, feminino, generoso, e embora masculino, mais frágil e sensível. É justamente essa nota, essa maravilhosa notinha que me encanta, que me delicia quando com meus dedos a faço vibrar. E então, percebi que é mesmo assim na vida, os homens que amei são todos RE, a quarta corda, e os amei porque quando meus dedos os tocavam era um som agradável de se fazer vibrar. Pensando sobre mim, gosto de imaginar que seria a terceira corda, um SOL, mulher, mas grave. Mas o fato é, que nunca me interessei por homem nenhum que não fosse RE, e é justamente pela minha atração pela quarta corda que digo: estive à uma nota do lesbianismo. 

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Traveling

Hoje decidi que uma vez por semana eu vou estudar sobre algum lugar no mundo que eu deseje visitar. Sempre gostei de viajar, da idéia de conhecer outras paisagens, outras culturas, enfim, me maravilhar com as diferenças e diversidades desse mundo louco. Por isso, hoje inicio a minha rota de viagem,  pois se um dia não for a esses lugares, já terei ido em pensamento.... 

Começo a minha jornada por Timbuktu


Mas porque começar por essa cidade estranha e tão desconhecida e não, por exemplo, por Paris? Bem, a primeira vez que ouvi falar de Timbuktu foi num documentário da National Geographic Channel que tratava das conquistas de Gêngis Khan, e uma delas foi a cidade de Timbuktu, que ficava às margens do Rio Niger, na África (para quem não sabe onde fica o rio Niger). Enfim, não sei porque sempre me interessei por Gêngis Khan, é um personagem histórico que me intriga. E acabei descobrindo a destruição que ele promoveu em Timbuktu, inclusive deixando para trás a destruição de uma das mais importantes bibliotecas da época, cujas ruínas, ainda hoje podem ser visitadas. Óbvio que aí está a minha motivação para querer conhecer justo essa cidade fora das rotas. Mas tem mais uma motivação, menos importante talvez: o primeiro conto que eu escrevi tem uma história de um cego que perambula pelas ruínas no deserto de Timbuktu... tenho curiosidade de saber se aquilo que eu imaginei está por lá...  E quando penso em Timbuktu, posso sentir o cheiro, a textura das pedras, a areia volátil que paira no ar... Enfim, não sei porque mas ela já está dentro de mim!!!


*Timbuktu foi fundada por volta de 1100 na proximidade com o Rio Níger, com o propósito de servir as caravanas que traziam sal das minas do deserto do Saara para trocar por ouro e escravos, trazidos do sul por aquele rio. Em 1330, Timbuktu era parte do Império do Mali, que controlava o negócio do sal por ouro em toda a região, estando ligada a Yenné através do comércio do sal, cereais e ouro, e a sua função comercial é acompanhada de uma função militar. Dois séculos mais tarde, Timbuktu atingiu o seu auge, governada pelo Império Songhay, tornando-se uma importante cidade universitária e a capital religiosa dos finais da dinastia Mandingo Askia (1493-1591). Timbuktu, que foi habitada por muçulmanos, cristãos e judeus durante centenas de anos, foi sempre um centro de tolerância religiosa e racial. As culturas locais - songhai, tuaregue, árabe e moura – misturaram-se, mas conservaram as suas distintas tradições. O seu apogeu chegou ao fim no século XVI, quando o exército marroquino destruiu o Império Songhay. O domínio do comércio com África pelos navegadores europeus foi mais uma razão para o declínio de Timbuktu.