sábado, 24 de novembro de 2007

As mais belas cicatrizes


Eu gostaria de viver como se cada momento estivesse nascendo de novo, o coração mais livre do mundo, como o riso de uma criança e o planar lento dos pássaros. Sentir que tudo fosse tão puro como se visto pela primeira vez. Quem dera voltar ao olhar ingênuo que já não tenho mais. Ah, mas não devo, não posso e não tenho o direito de perder de vista a secreta bagagem que em mim se acumulou, e que, apesar de tudo sempre me habitou. Regressando a essas infindáveis memórias, vejo-as eclodir na superfície da minha pele como as mais belas cicatrizes, marcas indevassáveis do que sou, e que somente eu posso ostentar. A pureza já não há, resta em mim a vontade de existir, apesar de.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Perfeição indigna


Meu ego me toma por vezes, me arrebata para um oceano profundo e se espalha em vibrações cotinuamente sutis. É para o fundo - onde eu sou não -, que ele me leva e, ali, me consome. O ego é ladino, ele elogia para me atrair, e sempre que ele me pega pelas mãos, e me carrega em seus braços, sinto-me donzela prometida. É no centro do ego que o eu - perfeita - se projeta. E ali, por vezes, sou levada. São segundos seculares de entrega à perfeição. Tempo e espaço em que posso brincar de ser poetiza eleita, como o fazia Florbela. Mas, com a volúpia de um farfalhar de asas, aos poucos, sobre os ombros começa a pesar tanta perfeição. E surge uma reflexo de mim sobre meus olhos. O ego me abandou, e posso de novo me ver como sou: imperfeita, mas dignamente feliz.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Procura-se lucidez


É fundamental que entendamos a vida como um sonho, não um sonho inventado, mas um sonho vivo, vivido e vívido. Um sonho que não é a visão de um insensato - num completo desconhecimento das coisas, mas um milagre de harmonia, de equilíbrio e de compreensão. Afinal, que outra finalidade teria a vida senão a de emprestar às pobres coisas desamparadas que somos o prazer da compreensão. Devemos tentar compreender sempre e mais profundamente, até poder aceitar tudo sem revolta. Compreender com a alma, com o coração, com os dedos, com os lábios, com tudo o que é dotado de sentido em nós. É necessário ativarmos a nossa percepção das pequenas e inúmeras almas antagônicas que nos constituem. Então viveremos um sonho, acordados e lúcidos, pois a realidade é um mistério cujo alfabeto jamais soletramos com inteira coerência.

terça-feira, 23 de outubro de 2007


A verdade, pelo menos a verdade que se procura neste mundo, não existe. Mas devemos acreditar sempre que ela está em algum canto e que é melhor continuar sempre a buscá-la, pois, qualquer que seja, a verdade em si não tem nenhuma importância e sim o andarmos continuamente em sua busca.

sábado, 13 de outubro de 2007


Guimarães Rosa disse que “toda saudade é um espécie de velhice”. Devo admitir, ele tem toda razão. Ando com muitas saudades do tempo em que meu corpo respondia mais rapidamente aos estímulos, quando as dores não eram tantas e as formas eram reduzidas. A idade chega sempre, e com ela novas pessoas em nós vão se engendrando, somos essa nova pessoa, mas não deixamos de ser, na memória, aquela que um dia fomos. É lindo envelhecer, mas não há como negar, dói né? E com Rosa, eu digo: “Mire veja: o mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas — mas que elas vão sempre mudando, afinam e desafinam.”

sábado, 22 de setembro de 2007

Beija as lágrimas de quem chora


Beija as lágrimas de alguém que chora... Em qual fonte de água mais pura hás de beber? Para redimir a sua dor, para transcender a ti mesmo, para descrer e crer em ti de novo? Espera pacientemente e todas as lágrimas de sangue que derramas dentro de ti mesmo, no decorrer do uma vida árida e sofredora, transformar-se-ão num lago plácido e espelhado a céu aberto, em meio a um jardim florido, onde voam colibris de tua alma apaziguada. Sim, beija as lágrimas de quem chora...

Revelações sutis


Quero dormir, tendo alguém que vele o meu sono.

Alguém que se desnude e me cubra com seu corpo.

E, quando for de madrugada, me acorde,

me tome pelas mãos e me mostre as coisas

belas que nasceram enquanto eu dormia.

Tão dentro de mim


No dia em que eu te senti dentro de mim, fez-se minha a tua dor e, desde então, fez-se noite em mim. A tua dor me aprisiona, se desprende de nós e me devora. Anseio o esquecimento das horas más que tens vivido. Quando ouço os teus soluços calados, a ansiedade me rói a alma. Nos suspiros cadentes da tua sinfonia, sustento o olhar que infindamente repousa em ti. Dói-me a tua dor. Suspenso no ar, paira o silêncio que arde, que ecoa retumbante a dizer-nos do medo. Vejo os teus olhos ainda, pressinto o gosto amargo na boca. Vagueia ainda em mim, a trava que tu sentes a sufocar-te o peito. E ainda que eu fuja para um mundo de sonhos, onde as tuas quimeras se desfazem, ao entardecer, saberei sentir ainda o sabor da tua lágrima. Queria inventar-te um amanhã povoado de estrelas, fazer-te sentir a liberdade de ser o que tu quiseres, retirar de ti esta ânsia que nada acalma. Quem me dera pudesse eu ter asas que a ti pudesse doar, fazer-te deixar de ser chão, sem receios para voar. Contudo, não me atrevo a inventar o sonho, me sinto ínfima, pequena. Conheço os teus pecados, pois eles também são meus. Pronuncio as tuas blasfêmias, elas também vêm de mim. Pois é mesmo assim, desde aquele dia, tu andas tão dentro de mim.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Apenas o caos


Sinto que o espelho novamente deseja fragmentar-se e romper-me. Já excedem os restos de mim e sobram angústias e ansiedades, que mesmo latentes, se fazem demasiadas. Não é fácil SER. Não é fácil ver-se através desse espelho que se estilhaça continuamente. É preciso serenar a minha angústia, mas não! Eu não me dou sossego, eu não me deixo em paz.
Quero dizer o indivisível e resolver o impensável, quero pensar o impossível e viver o indispensável. E embora o desejo haja, o impulso de vida, que não me alimenta e diariamente me devora, faz em mim, essa inquietude desavisada, essa mansidão rebelada, essa falta de tudo que em mim cala.
E então, no espelho que se quebra, vejo as roupas rasgadas, o cabelo embraçado, os olhos borrados, a boca partida. E para além dessa imagem não há mais nada, em tudo o que sou, sobeja, apenas, o caos.

terça-feira, 11 de setembro de 2007


Sinto que já disse tudo o que poderia dizer, sinto-me esgotada de palavras, tão vãs, tão ineficazes. O silêncio é o meu caminho. E esse destino que me cabe, é ter de Deus o sofrimento.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Fatal


Anda muito difícil escrever, por isso, venho me desculpar, se tenho apego às palavras alheias que por vezes são aqui pronunciadas, para dizer o que a incapacidade humana supunha poder criar, sem jamais consegui-lo. E, embora esteja mesmo muito difícil, escrevo para amansar meus fantasmas, expurgar os meus demônios, destilar o meu veneno e despir a minha pele. E, o que mais dolore, nesta hora, é o não poder escrever dignamente a minha dor. A maior tortura daquele que escreve é jamais poder alcançar a beleza suprema de uma lágrima que escorre na face dos piedosos. E, então, suplicante, rogo aos deuses que me torne piedosa, para quem sabe poder descobrir o mistério dessa lágrima, e, decisivamente, através das palavras, fazê-la escorrer sucessiva e infinitamente. É penoso escrever agora. Na verdade, sempre o é. Contudo, insisto, pois, ao escrever, é quando mais vivo. Na escrita tudo é permitido, o impossível não existe. Quando se escreve as palavras mais tristes de uma língua: "poderia ter sido", mente-se. Tudo pode SER. E sendo, será continuamente. E se, nessa-vida-aquém-e-além-das-palavras, muito pouco nos é permitido, para aquele que escreve, o metafórico, o metafísico e o sobrenatural se fazem amantes perpétuos. E se o que escrevo carece de dignidade, não culpem as palavras, puna a quem as ousa violentar. E ainda que me punam, contunuarei a ousar fazê-lo. Desistir seria simplesmente fatal, fatal, fatal...

Tudo retorna sem cessar. Se o universo tivesse algum objetivo, já o teria atingido; se tivesse alguma finalidade, já a teria realizado: Não existe um Deus, soberano absoluto, com desígnios insondáveis. Todos os dados são conhecidos; finitos são os elementos que constituem o universo,finito é o número de combinações entre eles; só o tempo é eterno. Tudo já existiu e tudo tornará a existir.


NIETZSCHE

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

“Nosso sonho se perdeu no fio da vida, e eu vou embora,
sem mais feridas, sem despedidas,
eu quero ver o mar”




Em tempos modernos, sonhar com príncipe encantado já anda fora de moda. Mas eu, descompassada que sou com o meu tempo, continuo sonhando com o amor cortês da idade média. Mas me pergunto, porque morreu o amor cortês? Um amor ao mesmo tempo ilícito e moralmente elevado, passional e auto-disciplinado, humilhante e exaltante, humano e transcendente entre o desejo erótico e a realização espiritual. Um amor capaz de gerar uma devoção contida, e, ao mesmo tempo, pulsante, criativa, como o provam as Cantigas de Amor do cancioneiro medieval. O homem contemporâneo perdeu a capacidade criativa do amor cortês. E eu com isso??? Eu: sou Dulcineia desvairada, a perguntar pelas ruas: “onde andará meu Dom Quixote?”. Sou Isolda, enfurecida, a amaldiçoar o mar, que insiste em levar e nunca mais devolver o Tristão que nunca me chegou.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Uma merda completa


“Haverá um dia, algum dia qualquer. Nesse dia tudo será bom, encontrarás as pessoas que queres ver, comerás a comida que mais gostas, e tudo o que acontece é o que querias que acontecesse. Se ligas o rádio, estará tocando tua música favorita, (...) Isso só acontece apenas uma vez na vida, por isso tens que estar preparado. É como um desvio, como quando estás dirigindo para um lugar e te distrais, e quando vês pegou o caminho errado e já não podes voltar atrás. Esse dia é assim: um desvio! E é muito importante, porque podes escolher por onde seguir seu caminho: se por esse caminho que não é bom ou não! Por isso temos que estar muito atentos. Porque existem muito poucas coisas boas na vida. E se tu as perde porque passam desapercebidas, ou tu estás pensando em outra coisa, seria uma merda! Uma merda completa!”


Trecho do filme "Princesas", de fernando León

Ode à maturidade

Se eu pudesse ser qualquer pessoa, eu seria eu mesma.
Se eu pudesse amar qualquer pessoa, amaria a mim mesma.


Sento-me sobre as minhas carnes e me admiro serena no espelho da mente. Sinto minhas veias pulsarem, transbordando o orgulho que me arde: pela minha idade, pelas minhas experiências. Por tudo que em mim carece e por tudo que em mim exacerba. Me miro e me vejo no espelho da mente, onde repousa lânguido o olhar, que se esconde e se revela piscante entre as luzes do luar. O estirar-se inquieto e constante dos meus lábios fulgura no rosto que se projeta sobre o mesmo espelho, íntegro e voraz, extasiado e demente. Meus ouvidos não me mentem as mentiras que queria me contar, gritam em meus tímpanos os diálogos descarnados entre mim. Rolam entre os meus cabelos rubros cachos de verbenas. O marfim que me cobre a pele reluz sob a luz incidiosa dos olhos que me miram, e são tão meus esses olhos. O som da minha voz, em veludo, arranhado, me alivia a língua que quer dizer o que se pode descobrir em mim. Então, me ponho a escrever, de alma desnudada, sobre a cama onde me amei. Sinto, nos milímetros da minha pele, o borbulhar explosivo da minha fotossíntese noturna. E nesse momento: o meu verde se enrubesce.

sábado, 25 de agosto de 2007

Little Girl Blue

"Pára, ouve, vê, repara, que para além de mim já não há mais nada..."

Blue, blue, blue... ouvindo o blues cantado por Janis, sinto me anestesiada. Tudo paralisado. As palavras me diminuem. Os sentimentos se perderam no meio do caminho, estáticos, nervosos. Busco o ar que me foge, tudo está em suspenso. O vento não vem me visitar. Busco ainda versos, que possam me acalmar o vazio, tão próximo e tão evidente. Um nó(s) na garganta ficou preso. Sento-me aqui, contando os pingos de chuva. O que, além disso, me resta a fazer? O que se deve fazer aqui além disso? Eu não sei o que se sente, só pressinto essa incompletude, desmoronam-se as paredes, as estradas se desfazem, tudo ao redor perde o seu contorno definido, ao olhar embaçado. Você pode não sentir o tempo, eu o sinto infinitamente. Tudo que a gente sempre sentiu tem que contar adiante ou seremos mesquinhos sucessivamente? E eu sei que ainda não começamos a ir adiante, por alguma razão que não consigo alcançar. Mas eu preciso seguir, e se estendo a mão e não a seguras, porque decides pelo "não", só me resta contar os pingos da chuva, que silenciosamente escorrem dentro de mim.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

A realidade em palavras

As palavras possuem um poder de sedução do qual eu não consigo ficar imune. Através delas me realizo no pleno, no infindável, no impensável. Contudo, as palavras, em si, não são detentoras da verdade. Os silêncios que me cumprem, muitas vezes são capazes de exprimir a veracidade que nenhum palavra passível de ser proferida seria capaz de dizer. As palavras criam uma aparência de realidade, uma parte mínima do todo existente, pois não dizem o suficiente, uma vez que são criações humanas e, portanto, limitadas. Como Borges, queria me aproximar da palavra divinal, capaz de exprimir o todo. Desejo, como Tzinacan, mago da pirâmide de Qaholom, sair em busca da sentença mágica que fora gravada em alguma parte do universo, encotrar a escrita de Deus, me apropriar desse dizer. Inutilmente tento revisitar todos os lugares que conheci, e rever todas as palavras e símbolos existentes na terra e no céu, pois não há o cárcere, não há jaguar, nem tigres, não há nada. As palavras carecem. E no que falta, há beleza, há sedução, há busca infinda...


" (...) vi meu rosto e minhas vísceras, vi teu rosto e senti vertigem e chorei, porque meus olhos haviam visto esse objeto secreto e conjetural cujo nome os homens usurparam mas que nenhum homem tem olhado: o inconcebível universo." (Jorge Luis Borges, O Aleph)

À cada dia a sua agonia

"Eu quero a sorte de um amor tranquilo, com sabor de fruta mordida"



Inspiarada pelo texto de Carol, me pergunto, será impossível esse amor plácido, íntimo, eterno, cúmplice, de entrega absoluta? Onde está o amor que me mentiu??? A culpa, minha gente, é do cinema. Vemos filmes em que homens são capazes de ações heróicas por uma mulher, por seu amor, e desejamos ardentemente viver também essa experiência. E vem o questionamento inexorável: não seremos capazes de inspirar tal paixão e devotamento em outro ser humano? E de repente, já não serve que seja qualquer ser humano, exigimos que nos toque a pele, a alma, a carne, que cure nossas feridas, que nos coloque no colo, e nos conduza pela mão. E que embora faça tudo isso, nos deixe ser. Esse amor se torna cada vez mais impossível, e os amores fugazes acabem por substituir o tempo de se doar. Tudo fica pela metade. Às vezes me sinto como minha amiga Jaqueline, que todos os domingos no Porto comprava meia banda de manga, porque uma manga inteira era inacessível, ou seja, estamos sempre recebendo amor pela metade, ele por inteiro é muito caro, quase ninguém está mais disposto a pagar o preço. Como não quero a metade de nada, me disponho a pagar o preço que for, seja lindo, seja leve, seja com dor. Eu estou e você?

domingo, 19 de agosto de 2007

A flor da pele


Não basta um corpo e outro corpo, misturados num desejo insosso, desses que dão feito fome trivial, nascida da gula descuidada, aplacada sem zelo, sem composturas, sem respeito, atendendo exclusivamente a voracidade do apetite. É preciso percorrer as trilhas da alma, uma alma tateando outra alma, desvendando véus, descobrindo profundezas, penetrando nos escondidos, sem pressa com delicadeza... porque alma tem tessitura de cristal, deve ser tocada nas levezas, apalpada com amaciamentos... até que o corpo descubra cada uma das suas funções. Quando a descoberta acontece é que o ato de amor começa. As mãos deslizam sobre as curvas, como se tocando nuvens, boca vai acordando e retirando gostos, provando os sabores, bebendo a seiva que jorra das nascentes escorrendo em dons, é o côncavo e o convexo em amorosa conjunção. É Ressurreição !!! É nascer de novo: no abraço que aperta sem sufocamentos no beijo que cala a sede gritante, na escalada dos degraus celestiais que levam ao êxtase.


quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Vivo no que carece

"Algo me atrai que não está em mim e me impede a identificação com as coisas. Mas não são acaso as ausências que me cumprem? Não são os meus excessos – tão pobres – que me delineiam? Indago em vão e sei apenas, com uma triste lucidez, que os desastres não me limitam. Não existo no pleno, e sim no que carece. Assim a melodia se concebe e vibra, ao longo de uma existência que jamais sacia o meu desejo de variedade." (Lúcio Cardoso - Diário)

Decifra-me ou te devoro

Sou chuva forte, tempestade...
Sou chuva fina, desfolhando
os livros de madrugada...
Sou tímida, sou doida desvairada...
Sou tanta coisa.
Sou tão complicada,
mas, às vezes,
sou simplesmente eu.
Sou todas as estações do ano...
Mas, sobretudo, sou inverno.
Sou o céu azul no fim de tarde.
Sou o mar que me acompanha
todos os dias ao trabalho.
Sou alhos e bugalhos.
Sou “menina do anel de lua e estrela”.
Sou preguiça de tudo.
Sou o sim, mas, raras vezes, sou o não!
Sou palavras, amenas, cálidas,
ferozes, desdentadas...
Sou pensamento, sou razão...
Mentira, sou toda sentimento...
Sou lágrimas e risos.
Sou desleixada e sem juízo.
Sou taxionomista.
Sou morfologista.
Sou o desejo, mas superficial não!
Sou contradição.



Sonhos, Dreams, Sueños...

"I'm dreamer and when I wake, you can brake my spirit, if my dreams you take..."




Esta noite, eu tive um sonho que gostaria de contar a minha terapeuta. É conveniente que os pacientes narrem seus sonhos a seus analistas, contudo, me sinto extremamente desconfortável na hora de fazê-lo, por que não entendo a substância de que são feitos os sonhos. Essas imagens, que me ocorrem quando durmo, transgridem a racionalidade, se debatem na desordem cronológica e não satisfeitas com a confusão que provocam em meu íntimo, permanecem, horas, dias, até semanas, grudadas na minha mente, como o gosto de espinheira divina, ou o cheiro insuportável do Lapidus, como se tivessem sido injetadas nas minhas veias e dentro de mim circulassem até serem exaladas pelos meus poros e demais secreções. Resta-me, então, perguntar que significados subliminares encerram os sonhos? De que matéria emotiva eles se compõem? Que substâncias inconscientes eles aprisionam? De que é feita a sua essência virtual, vislumbrável, vizinha do vivível que me instiga e me devora? Permaneço presa ao sonho e ele permanece grudado em mim, até que tenhamos, eu e minha terapeuta, chegado às possíveis respostas para os sonhos, ou ainda, que tenha sido tarde demais para alcançá-las.

domingo, 12 de agosto de 2007

Minimalismo

"O coração na boca, antes da palavra louca que eu não digo!"



Hoje descobri o desejo de encontrar uma forma minimalista de estar no mundo. Minimalista, sob esse meu ponto de vista, quer dizer a prática cotidiana da simplicidade, voltar as aspirações para aquilo que é apenas essencial. Me desfazer dos supérfluos. Substituir a boca que por demais fala pelo silêncio expressivo dos olhares. Me despojar dessa ânsia de complexidade. Deixar a verborragia, que me é peculiar, ceder lugar ao não dito, ao não feito, ao não sentido. Não é um desejo somente, é uma necessidade de buscar a minha expressão mais simples, sem redundâncias, sem proselitismo, sem digressões. Talvez haja, nessa necessidade, uma incerta melancolia clandestina, uma desilusão desarmoniosa, sem compasso, sem razão. Preciso ser menos, pequena, mínima, ínfima, menor, e sempre decrescente, até o não ser. Talvez eu não precise ser minimalista, quem sabe budista seja melhor.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Sobre-humano


De onde vem essa sensação que me invade por noites infindas, que faz vibrar as pontas dos dedos, que treme a carne, que me queima a pele, e que mil vezes me liberta? Há algo de metafísico nessa sensação, o corpo já não é matéria e o espírito sobrevooa por espaços alienados, e se recusa terminantemente a voltar. Uma espécie de transe me consome em fogueiras imaginárias. Portas e janelas se abrem e eu não consigo me mover, o desejo de evadir não chega ao meu corpo, enquanto minha alma vagueia errante, ouvindo sons longinquos, sussurros quase inaudíveis, suspiros distantes. Permaneço acorrentada a essa sensação. E mesmo presa a esses grilhões, I flow, I fly away... Incontáveis, inenarráveis momentos em que nem sou corpo, nem sou espírito. De onde vem essa sensação: um nada, um nirvana, um prana, um inominável prazer? Terremotos não me fazem temer, o chão que treme sob meu corpo se liquefaz, e me derreto, me dissolvo, e me escorro junto com o ar que exalo inconstantemente. E vem a gratidão, uma imensa gratidão, por essa sensação que me concede, me deseperta, o desejo impetuoso de romper o silêncio da alma, de todas as almas, de viver, e fazer viver, todas infindas possibilidades oferecidas pela escuridão. Estou dentro dela, de olhos fechados, um grito rouco de mim ecoa. E não quero despertar. Não ainda, só mais um pouco, deixa estar ainda uma vez mais, e outra, e sempre, até que, como diz o corvo, o passado nunca mais, o passado nunca mais.

domingo, 5 de agosto de 2007

Coisas impossíveis

Descer do avião que não pousou
Dormir sem ter o que se sonhou
Fingir ser tudo o que não se é
Andar com um sapato menor que o pé
Ver a luz da lua ao meio-dia
Não comer de barriga vazia
Gozar quando não se tem tesão
Ouvir barulho e achar que é canção
Amar sem ser correspondido
Remendar o que foi corrompido!

sábado, 4 de agosto de 2007

Eu não sou a multidão

Não, eu não sou a multidão, não me corrompo pelo belo, perfeito e satisfatório. É a dor que me fascina. Não quero as máscaras que escondem as cicatrizes, quero ver as feridas expostas, a carne em sangue vivo, o ser obscuro que reside na sombra de cada um de nós. O que me fascina e me condena é a nudez da alma, que mesmo tardia se revela. Não, eu não sou a multidão, não quero a calmaria ou a mansidão, quero a tormenta, as tempestades que me ardem em fogueiras incandescentes, nas paixões insandecidas, sem sentido e sem noção. Não me interessa a boca fria, o olhar sem rubor, a vida vazia, o coração sem dor. Eu desejo é penetrar na agonia. É isso que me alivia. É isso que eu, mais e eternamente, desejaria. É pelas veias que meu coração arrebenta, mas isso é o meu segredo, por isso, seja discreto, vê se não comenta.

terça-feira, 31 de julho de 2007

Rodando a baiana

Tudo bem que dor e tristeza são ótimos catalizadores para a escrita, mas acordei de ovo virado, como se diz por aqui... e não vou dar mole pra deprê, já basta o frio que tá fazendo, ficar fria por dentro??? aoooonde????? Quero mais é me arder, como diz Zéu Brito: "eu quero ver Soraia queimada.." KKKKKKKK. Hoje estou com Brian, que mesmo pendurado num cruz, canta: "...always look on the bright side of life... tchuru tchurururu..." Acho que Monty Python sempre soube melhor interpretar a natureza irônica e sarcástica de Deus. E como gosto de sarcasmo, não posso me queixar da vida!!! Quanto a mim, e meus problemas existenciais em relação ao outro que não me vê, já tomei uma decisão: quem tem olhos pra ver, que veja, aos cegos só posso dizer: sinto muito!!!!

segunda-feira, 30 de julho de 2007

É melhor não ser


4h da madrugada, it´s raining cats and dogs, e, no meu rosto desfigurado, correm ligeiras as lágrimas que teimam em cair por tudo que o poderia ser e não foi, nem será jamais. Hoje, estou mais uma vez com Caye, e penso que pior não seria que não houvesse nada após a morte, pior, sim, seria ter que viver outra vida igual a esta. Nietzsche diz que devemos viver como se não houvesse nada de que pudessemos nos arrepender e que, caso voltássemos a viver, pudéssemos repetir todas as experiências da vida anterior. Affff... Vem cá, eu mereço????

Mas vamos deixar de auto-piedade, quem busca sarna tem mais é que se coçar, coçar até tirar sangue, até expor a carne viva. Que vá à merda Nietzsche e sua teoria do eterno retorno. Cansei de repetir esse padrão de boazinha, coitadinha, idiotinha, rejeitadinha... Nessa vida, tudo passa e se existe Deus - e eu espero com fé que ele exista - o que passa não volta mais. Eu passarei, ele passarinho... (de asa quebrada, há tanto tempo acostumado a essa condição, que mesmo diante da possibilidade, se recusa a voar).

Não, definitivamente... volto a comiseração e choro às 4 e 15 da madrugada... só mesmo um Rivotril, Olcadil, Lexotan, e penso que seria tão bom não acordar amanhã. Sem chances... não vou ainda, existem dores para que possamos aprender com elas, devo ter aprendido agora, devo sim, espero que sim, pois todas as minhas certezas - intuições - que se transformaram em cinzas nas últimas horas, estão a escorrer pelo ralo e desaguar no mar; ao qual retornarei um dia.

Uma última palavra: "não me venha com piedade, porque piedade não é amor"!!!!

sábado, 28 de julho de 2007

A ponte inexistente entre nós

"Estivemos uma vez tão perto um do outro na vida que nada parecia entravar nossa amizade e nossa fraternidade e que só havia entre nós uma pequena ponte. Exatamente no momento em que tu ias colocar nela o pé, te perguntei: 'Queres atravessar a ponte?' - Mas então não quiseste mais, e como eu te pedia, não respondeste nada. Desde então, montanhas, rios e tudo o que pode separar e tornar estranho se acumulou entre nós e, se quisermos nos reencontrar, já não seria possível. E agora, quando pensas nessa pequena ponte, não sabes o que dizer - soluças espantado."
(Mais uma do cabeção - Nietzsche em A gaia ciência)

Um quase nada

"(...) ela só mela no ralo de gente, ela é linda
mas não tem nome, é comum e é normal!!!" O Rappa



A egolatria nietzschiana anda me fazendo algum mal, lendo-o passei a crer que também em mim havia algo de especial, algo que houvesse a ser dito que merecesse alguma atenção. Doida utopia. Depois dos últimos sucedidos na minha vida, vejo que não passo de um alma mediocre com ilusão de grandeza. Sou pequena, minúscula, um quase nada. Ordinária e comum. Nada, nem a apropriação das palavras alheias, dos verdadeiros gênios, me faria mudar e crescer aos olhos humanos. De que adianta vestir as fantasias de grandes eloqüências e pensamentos? É tudo bijuteiria, enfeites superficiais para esconeder a pequenez do espírito. O brilho que reluz na mente dos gênios, em mim, sequer incide obliquamente.

Vermelho, sexta-feira e tequila

Hoje, que já é amanhã, experimentei mais uma vez o prazer de poder sair com as amigas. Uma rotina que nada tem de tediosa, pelo contrário: choros e risos afloram em confissões, revelações e mútuo compartilhar de experiências.

Hoje, que ainda não é amanhã, saí de vestido vermelho, do jeitinho que gosto, me sentindo protegida pela cor - roupa e cabelo- a rodar pela Bahia de todos os santos, de todos encantos e todos os axés.

Sexta-feira, dia de filme bom, no Cinema do Museu. Lugar alto astral, companhias agradáveis, e, é claro, Edward Norton pra embalar sonhos e fantasias românticas durante a madrugada.

Inconsequente, hoje, saí para beber tequila, que ainda ressona na minha cabeça, adormecendo as dores que nem calam, nem consentem em me abandonar. Mas como diz o famoso poeta baiano, Renato Fechini: "Ô vo bebê pa isquecê meus pobrema, ô vô bebê pa isquecê minhas angústrias..." E tome tequila na cabeça...

Mas, em tudo e por tudo, ainda sobra o riso, sentido e compartilhado, que mesmo as dores são capazes de provocar - eu que o diga (né não Nil???).

Por isso, minhas lindas e queridas amigas: viva a sexta-feira!!!!

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Meu lado lunar

Tenho tantos defeitos que enumerá-los seria uma tarefa vã, mesmo porque eles insistem em se multiplicar. Como os dias que passam, os defeitos são somados e acumulados, junto a vestígios de constumes antigos, por demais arraigados. Mas o maior de todos os meus defeitos é este anseio inesgotável pela aquiescência do outro, que obviamente, está relacionada ao medo de ser preterida. Esse anseio por ser desejada, por alguém que me possa ver mesmo dentro da escuridão, além da minha superfície, me paralisa e me consome. Paralisa porque só me enxergo através do outro e me consome porque o outro, constantemente, não me vê. Pergunto-me, sem fim, poderá alguém me amar, apesar de mim????

Sustança cerebral

"O que significa viver?
Viver? - significa: repelir incessantemente aquilo que quer morrer.
Viver? - isso significa: ser cruel e implacável contra tudo o que, em nós, se torna fraco e velho, e não somente em nós.
Viver, isso significaria, portanto: não ter piedade dos morimbundos, dos miseráveis, dos anciãos? Ser assassino sem cessar? - E no entanto o velho Moisés disse: Não matarás."

(Nietzsche (cabeção) em A gaia ciência)



domingo, 22 de julho de 2007

Quem sou eu?


Alguém me perguntou, numa noite ao luar, quem eu era, queria saber porque me escondia por detrás de um sorriso evasivo, quando no meu olhar brilhava uma lágrima escondida. Nessa noite, me refugiei no silêncio. Hoje, ao relembrar dessa noite, pergunto-me porque não respondi a pergunta. Compreendo que é sempre mais fácil esconder a pessoa que somos dos outros, do que nos tornarmos vulneráveis aos seus olhos. Agora que não me podem mais escutar começo por entoar uma musica “Deixa eu te contar mais de mim, quero te mostrar quem sou, sou como o lugar de onde vim, onde tudo começou, esse brilho em meu olhar é do mar, é do mar que trago refletido (...)”.

Não há ninguém para me ouvir, e hoje, me sinto assim, sem rumo, e tendo apenas como certeza e felicidade o vento que beija o meu rosto e a lua que me embala e afaga os cabelos. A lágrima ainda existe.

No fundo é a própria existência que me faz ainda ter uma parte de mim que sonha, é ela que me faz ser ainda a criança. Eu sei que ainda sou inocente e que vivo no meu castelo de sonhos e nuvens de algodão.
E ainda que eu chore, a dor do mundo, desvairadamente, algo bom dentro de mim refulge, uma chama no meio de muitas cinzas persiste. O sonho.

Mas tenho medo, mais que medo, tenho pavor, pavor que me partam de novo o coração e que eu não seja capaz de o agarrar e voltar a colocá-lo no lugar, pavor que me dêem a nuvem para voar e do nada ela já não esteja debaixo dos meus pés, pavor que me olhem como um corpo e esqueçam a minha alma.

Perguntaram-me quem eu era, a resposta está escrita em cada gesto meu, e em cada lágrima que já deixei escorrer pelo meu rosto, talvez não me compreendam. No fundo só quero lembrar-me de uma coisa, as diferenças entre as pessoas, não condenam sentimentos, é a incapacidade de se adaptar e a falta de vontade que faz com que se esfumem no ar.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Mistério


Me deliciando com as palavras de Tassinha em De improviso (http://tassianovaes.blogspot.com/)


"Já fui apegada aos meus sentimentos. Apego no sentido mais literal da palavra. Fui daquelas que diante de uma ligação afeituosa, principalmente quando brotava afeição gratuita, debruçava-me em dedicação banda larga ao ser amado. Vale o mesmo para as causas amadas. A idéia de rompimento me causava pânico. Águas passaram, pontes ruíram. Onde havia amor, passado rancor, brotou vazio e do pedaço de terra seca, com um pouco de água, germinou semente. Fato é: o fim de um relacionamento é tão misterioso quanto o início. O coração tem lá suas razões, banais ou não, reais ou ilusórias. Pra mim sempre foi necessário explicações. Sempre quis entender os meus amores do fim ao princípio. Exatamente nessa ordem porque de início, mesmo quando não vinham flores, sempre sobrava magia capaz de dispensar qualquer teoria. Fui apegada e, paradoxalmente, ainda sou por mais que me esforce em negações em cada linha deste post. Só em tempos de ressentimento consigo cultivar o desdém. O que se é por natureza não muda. Mas só por teimosia repito: fui. E por terapia digo: hoje tenho apego a mim, à minha existência. Não por súbito ataque do ego, mas por estar convicta de que ninguém mais no mundo é capaz de cuidar com afinco e dedicação da nossa alma a não ser nós mesmos. Fora isso, antes que alguém se assuste, resta aqui, dentro de mim, uma fresta no muro das emoções, onde a qualquer momento uma nova paixão pode ser riscada por um rastro de luz... ... ... "mistério sempre há de pintar por aí"."

domingo, 15 de julho de 2007

O eterno retorno



Que esperança há em retornar ao que já se foi?

Existe algo de circular em nossas vidas, e, de repente, nos vemos retornando àquele lugar ao qual juramos nunca mais voltar.

Mas, quando ali chegamos, percebemos que a distância que se impôs entre nós - os momentos de ausência - construiu um tempo de saudade, em que aquilo que nos fez afastar-nos é justamente aquilo que nos faz querer retornar.

É engano pensar que, quando retornamos, retrocedemos. É possível revistar esse lugar e encontrarmos um eu e um outro renovados, e, aos poucos, redescobrir a intermitente sensação de intimidade.

Nesse lugar, podemos ser quem somos. Não há disfarces, as máscaras não são mais necessárias. E a verdade se impõe com elo de ferro, que une, que funde, que mistura.

Há cheiros familiares, o chão que se pisa é firme. E o olhar, que diz de amor, de companheirismo, de futuro, pode ser encontrado, de novo, nesse lugar.

Retornar, não significa retroceder, significa revelar-se onde podemos ser quem somos enfim.

É bom estar de volta a esse lugar, me sentir segura em seus braços, respirar esse ar convencional, e compratilhar a estrada que se abre a partir desse retorno.

Toda escolha é excludente, e quando escolho retornar, excluo os lugares inauditos, fantasiosos e impossíveis que um dia sonhei visitar.

Nesse lugar sou feliz e isso é que importa!!!!!!

terça-feira, 3 de julho de 2007

Amor de plástico e silicone


Nos últimos meses, a vida tem sido estranhamente complexa. O que eu quero num minuto, no outro já não desejo mais. Volúvel, sempre fui, mas dentro dessa minha inconstância geminiana (meu ascendente cada vez mais forte), há algo que permanece latente: o anseio de ser admirada pelo que escrevo, pelo que penso, pelo que digo e ouço.

Nos últimos meses, redescobri o olhar do outro sobre a minha pele branca, a superfície da minha materialidade que se despe de vergonhas e timidez. Mas é sob a pele, que me veste dessa nudez, que reside o EU que deseja ser admirado, amado, possuído.

Nos últimos meses, vi o outro que me deseja na superfície de minha materialidade, porém esse amor de plástico e silicone, já não preenche o oco sem beiras da minha alma.

Há algo de inocente e primitivo naquele que, todas as noites, acaricia os sinais que perpassam meu corpo. Há beleza em sua alma, há um carinho que me transborda de preocupações. Há a incômoda distância, no tempo e no espaço. E há, sobretudo, um não-olhar para aquela que se deseja em carne viva, palavras, pensamentos...


Leio Nietzsche, leio Freud, releio Jung, pois não quero estar mais vazia. E, embora eu saiba que aquilo que me preenche seja intangível, inalcançável, inconcebível, o desejo há. Mesmo diante de tanta negação, o ser que em mim não quer mais calar já não se satisfaz com olhares inventados, com a ficção do outro que alimento cotidianamente.

Nos últimos meses, eu estive com o desejo puro, inocente e transitório. Mas ele passa por mim e não me vê. Ele fala comigo e não me ouve. Ele me escraviza, mas não se doa. Ele quer, eu dou. Porém, quanto mais eu me deixo levar pelo desejo fluido, cambiável, mais não o quero. O desejo me sacia e me esvazia de mim.

E, enfim, os últimos meses têm se tornado os últimos de muitas coisas na minha vida. Morro, constantemente, através das mortes dos meus desejos, que se transubstanciam em desejos, renovados, de profundidade.

E grito: olhe pra mim!!! Estou além da minha pele, não me toque só na superfície, irei negar o desejo, por que o desejo real está aquém daquilo que se pode ver com os olhos de vidro. Sou muito mais que instinto e carne pulsante. O que é primitivo em mim morre facilmente, mas o que penso, sinto, digo e ouço: não!!!!

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Lágrimas e chuva

Há uma música, de James Blunt, intitulada 'Tears and rain', um lindo tema para reminicências...
Lembro-me da adolescência, quando as lágrimas eram tão leves e a dor, que imaginávamos sentir, nada mais era que um suave canto da alma - nada parecido com as dores que hoje derramamos pelas nossas faces.

Nessa época, minha amiga, Déu, costumava dizer: "Ju, já reparou? Toda vez que você chora, toda vez que você está triste, chove!!!". E num era que acontecia?

Hoje o céu está desabando. Perguntam-me: "você está triste?"...que dizer dessa tristeza calma e serena, que não dói nem fere a carne? Certamente, exultante não estou. Mas há algo que paira sobre a tristeza, algo indecifrável, que me deixa aérea, sonhadora, leve...

E então, ouço a música a me dizer sobre aquilo que gostaria de ter dito, entendido, antes... muito antes: "Como eu desejo que eu pudesse render minha alma; livrar-me das roupas que se tornaram minha pele; vejo o mentiroso que queima dentro de meu precisar. Como desejo que tivesse escolhido escuridão ao frio. Como desejo que tivesse gritado forte. Acho que é tempo de correr para muito, muito longe; encontrar consolo na dor. Todos os prazeres são a mesma coisa: só me mantêm longe dos problemas. Escondem minha forma verdadeira, como Dorian Gray. (...) São mais do que só palavras: são só lágrimas e chuva. Como desejo que pudesse andar pelas portas da minha mente; ter a memória à mão, a ajudar-me a entender os anos. Como desejo que pudesse escolher entre o Céu e o Inferno. Como desejo que eu salvasse minha alma. São mais do que só palavras: são só lágrimas e chuva."
Se o texto tivesse sido escrito por mim, talvez as mesmas referencialidades pudessem ser construídas. O céu e o inferno de Dante, onde me refugio nas tardes de chuva... o retrato de Narciso feito por Oscar Wilde, a busca desesperada pelo conhecimento, e ao mesmo tempo o desejo de fuga incessante...

Continua chovendo, a dor não está, ela é. Mas a convivência tem sido pacífica, sobretudo por que descobri que posso derramá-la não só pelas faces, mas, principalmente, através das palavras, que ouso, confusa e secretamente, despejar sobre o vácuo dessa não-existência virtual.

Ando pelas portas da minha mente, não todas, só algumas delas, e me miro no espelho de Alice, e escolho atravessar os espelhos, derrubar as portas trancadas, e deixar que tudo, absolutamente tudo, possa fluir... como lágrimas e chuva.

terça-feira, 12 de junho de 2007

Princesas


“(...) dizem que as princesas são tão sensíveis que quando estão longe de seu reino podem até adoecer e até podem morrer de tristeza.” – Do filme Princesas, de Fernando León

Eu sabia que mais cedo ou mais tarde ela voltaria, minha companheira de jornada: a tristeza. Não é fácil crescer, ser adulta, ser mulher, ser humana, ser sozinha, demasiadamente humana.
Sinto-me incompreendida, e essa dor da incompreensão dói mais nos inocentes. Todos nascemos inocentes, mas alguns de nós aprendem a lidar, com indiferença, com os olhos marejados de lágrimas daqueles que sofrem por serem, simplesmente, aquilo que são.
Sinto muito por não corresponder às expectativas de quem queremos em nossa vida. E eu tenho que fazer o que tenho que fazer. Mas mesmo assim, me dói quando aquilo que eu tenho que fazer me afasta em demasia daquilo que ardentemente almejo.
Paradoxalmente, sei que não posso negar aquilo que sou! Há pessoas vazias demais nesse mundo, e às vezes simplesmente desejo ser uma delas.
Quem me dera ser daqueles que vivem na inconsciência, que tomam uma cervejinha e ouvem um pagode, se sentindo plenamente satisfeitos com suas vidas.
Quando penso no fluxo da minha vida, sinto-me traído ou enganado, como se tivesse sido vítima de uma piada celestial,como se tivesse esgotado minha vida dançando à melodia errada.” (Quando Nietzsche Chorou)
Essa frase me tocou, ontem à noite quando lia o livro que estou amando. Preciso conhecer Nietzsche melhor, e obviamente aprofundar a minha dor... dor de ser consciente da demasiada condição humana em que nos encontramos.
Percebo-me em busca constante dessa dor, pois a consciência é o processo pelo qual tenho de passar, caminho incessantemente em busca de mais consciência e de mais conhecimento, a minha vida é impulsionada por isso. Essa é a meta que justifica a minha existência.
Contudo, desejo precisamente o inverso, o desejo do esquecimento completo, da ausência absoluta de mim. Mas não há dúvidas, minha natureza me impulsiona a isso: sair da luz da inconsciência e penetrar nas trevas do (auto)conhecimento.
Pra Jung “A tarefa do homem é (...) conscientizar-se. Ele não deve persistir em sua inconsciência, nem tampouco permanecer idêntico aos elementos inconscientes de seu ser, assim se esquivando de seu destino, que é o de criar cada vez mais consciência. Tanto quanto podemos discernir, a finalidade única da existência humana é a de avivar uma chama na escuridão do simples ser.” (s/d: 326)
Veja que para Jung a consciência é a luz, e a inconsciência a escuridão. Mas eu me pergunto, terá ele razão?
No filme Princesas, de Fernando Leon – por sinal imperdível – vê-se o discurso super autoconsciente de uma Caye (Caetana) ao dizer que: “Hoje em dia, não creio muito em Deus, nem sou muito religiosa ou qualquer coisa do tipo. A única coisa em que fico pensando, e creio, é que o pior não seria que não existisse nada após a morte, o pior seria que houvesse outra vida, outra vida igual a esta!”
Assim me sinto hoje. Desejante de que essa vida consciente chegue ao seu termo e eu possa enfim ter a paz dos inocentes.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

O silêncio

“Mas, se uma verdade individual é tudo que um livro pode encerrar, resta-me aceitar escrever a minha. O livro de minhas memórias? Não; se a memória é verdadeira, ela assim o é enquanto não for fixada, enquanto não for encerrada numa forma. O livro de meus desejos? Também estes só são verdadeiros quando seu impulso atua independente de minha vontade consciente. A única verdade que posso escrever é a do instante que vivo. Talvez o verdadeiro livro seja este diário no qual tento registrar a imagem da mulher na espreguiçadeira, em diferentes horas do dia, assim como a observo com as várias incidências da luz.””
(Italo Calvino, Se um viajante numa noite de inverno)


Olho o papel em branco e penso o que me impulsiona a escrever. Antes parecia tão fácil, era só começar e as palavras me saiam à maneira de uma inspiração.Aquele tipo de desejo compulsivo que se realizava sem esforço, sem desilusão.
No entanto, tudo parece tão mais difícil agora, e sempre que começo a escrever algumas linhas, nada me consola, nada me satisfaz, é como se eu tivesse perdido algo que nunca tive. Este meu outro eu obscuro que se origina no nada.
E o que tenho para dizer??? No momento, só tenho a minha vontade de escrever sem conseguir.
Há mais coisas que são ditas em silêncio.
Há momentos em que o silêncio é capaz de nos dizer aquilo que a alma cala.
Em silêncio sou capaz de ouvir os sussurros daqueles que me acompanham translucidamente. Vozes ancestrais.
E nada me parece mais belo que o silêncio. Ah, o silêncio!!!! Nos transporta para dimensões outras de nós mesmos. E flutuando ligeiramente sobre a última melodia, sinto-me ir ao reencontro com a beleza de mim.
As visões de lugares nunca visitados me invadem, e desejo, dentro do silêncio, me transportar para além das quatro paredes do meu quarto, evadir desse desejo de permanecer.
O silêncio é meu amante, e esse amor que ora desperta, reelabora identidades, faz nascer ou renascer coisas boas dentro de nós, e não posso me furtar de dizer que, enquanto vivo esse sentimento que me aproxima infinitamente de quem desejo ser, a despeito da distância do que serei, vejo aflorar o melhor de mim.
No momento, o que mais gosto é desse silêncio abençoado em que me encontro, tendo tempo para refletir e, concomitantemente, escrever, operando a catarse de mim, separando-me definitivamente do eu que um dia fui.
Fui....mas já estou vindo... e essa que transborda pelas beiradas da minha alma, que seja bela, que seja leve, que saiba sorrir, sem medo de ouvir o silêncio.

terça-feira, 5 de junho de 2007

Permanecer ilude


A tristeza repentina, que, nos últimos meses, havia se tornado minha habitual companheira, parece ter dado um tempo. Eu sei que não demora muito ela volta. Mas sinto-me mais confiante, acreditando mais na minha materialidade, sem medo do que possa acontecer, seja o bem ou seja o mal – que venga, todo pasará!!!!.

Não quero mais viver em guerra com os meus fantasmas. O passado já passou, e devo me perdoar, e me recompensar com o prazer de viver cada dia. Sei que há tempos não me encontrava, não experimentava sentimentos e sensações. Meu espelho estava vazio de mim. Eu estava vazia de mim. Um oco sem beiras – como diz G. Rosa. Me encontrava na sombra de meus erros.

Mas, hoje, depois desse período de dormência, em que minha alma se calou em demasia, vejo que eu precisava sentir- sentir tudo, até mesmo a dor da consciência de sermos quem somos, tão imperfeitos, tão insatisfatórios.

Precisava me perder, para me encontrar... e nesse encontro, em que me vejo, ainda no silêncio, na penumbra, há algo de indefinidamente belo. Algo que me faz sorrir sozinha, falar com as paredes, e definitivamente cantar!!! Cantar alto, gritar ao mundo: “ei!!! Eu existo, ainda estou por aqui”.

Passar pelas ruas e olhar o mar arredio, enquanto vou ou volto para o trabalho. O mar que me abandona, do qual me divorciei há tempos, mas que amo com loucura!

É preciso estar só para entender que posso me sentir sozinha e não sentir a solidão oprimir o meu peito, posso deitar a cabeça no travesseiro e deixar que me venham os sonhos, indeléveis momentos de prazer. Devo me permitir o prazer. E a vida, essa, apesar de tudo, tem se tornado mais leve.

Não tenho cismado com quase nada. E gosto de aproveitar as horas em que estou trabalhando e aprendendo, e saber que posso fazer muitas coisas sozinha.
E hoje desfruto desse prazer: ser eu mesma! Ainda que essa que sou agora, possa não o ser daqui há pouco!!!

De qualquer forma, não vou perder minha mania de falar a verdade, de querer entender algumas coisas e de desistir de entender outras (existem coisas que não estão aí para serem entendidas).

O que mudou minha vida????

Não sei, mudou, porque nada permanece... “permanecer ilude” – repito Otto.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Quando Nietzsche chorou


Ontem, lendo "Quando Nietzsche chorou", de Irvin D. Yalom, me deparei com um diálogo muito interessante entre dois homens, que apesar de serem casados com mulheres ricas e bonitas, já não têm por elas o desejo primevo, aquele que fornece o impulso inicial para uma relação amorosa...achei interessante o trecho da conversa em que Max diz o seguinte ao Dr. Breuer:


"(...) Alguns dias, quando desço a Kirstenstrasse e vejo vinte, trinta prostitutas enfileiradas, fico bastante tentado. Nenhuma delas é mais bonita do que Rachel, muitas têm gonorréia ou sífilis, mas mesmo assim fico tentado. Se eu tivesse certeza de que ninguém me reconheceria, quem sabe? Eu seria capaz! Todos ficam fartos da mesma refeição. Veja bem, Josef, para cada mulher bonita por aí, existe um pobre coitado que está cansado de fodê-la!"

Pobre coitados!!!! KKKKKKKKKKKK Tadinhos deles...

O que eles não sabem, é que nós também enjoamos... risos!!!!

terça-feira, 29 de maio de 2007

Vício é assim


Tem vício bom e vício ruim. Eu tenho vários vícios. Roer unha por exemplo... desde que me entendo por gente, só consegui parar duas vezes. Tinha também vício de aturgil, mas esse consegui parar depois que começaram os episódios de taquicardia. Fumar, comecei aos 27, ou seja, recentemente, mas fumo que nem caipora, como se diz aqui na Bahia... risos!!!
O problema do vício é quando o prazer que ele fornece é muito maior que a nossa força de vontade para poder parar!!!





sábado, 26 de maio de 2007

Mal estar da Civilização- Freud


"Ora, é muito provável que meu próximo, quando lhe for prescrito que me ame como a si mesmo, responda exatamente como o fiz e me rejeite pelas mesmas razões. Espero que tenha os mesmos fundamentos objetivos para fazê-lo, mas terá a mesma idéia que tenho. Ainda assim, o comportamento dos seres humanos apresenta diferenças que a ética, desprezando o fato de que tais diferenças são determinadas, classifica como ‘boas’ ou ‘más’. Enquanto essas inegáveis diferenças não forem removidas, a obediência às elevadas exigências éticas acarreta prejuízos aos objetivos da civilização, por incentivar o ser mau. [...]

O elemento de verdade por trás disso tudo, elemento que as pessoas estão tão dispostas a repudiar, é que os homens não são criaturas gentis que desejam ser amadas e que, no máximo, podem defender-se quando atacadas; pelo contrário, são criaturas entre cujos dotes instintivos deve-se levar em conta uma poderosa quota de agressividade. Em resultado disso, o seu próximo é, para eles, não apenas um ajudante potencial ou um objeto sexual, mas também alguém que os tenta a satisfazer sobre ele a sua agressividade, a explorar sua capacidade de trabalho sem compensação, utilizá-lo sexualmente sem o seu consentimento, apoderar-se de suas posses, humilhá-lo, causar-lhe sofrimento, torturá-lo e matá-lo. Homo homini lupus. Quem, em face de toda sua experiência da vida e da história, terá a coragem de discutir essa asserção? Via de regra, essa cruel agressividade espera por alguma provocação, ou se coloca a serviço de algum outro intuito, cujo objetivo também poderia ter sido alcançado por medidas mais brandas. Em circunstâncias que lhe são favoráveis, quando as forças mentais contrárias que normalmente a inibem se encontram fora de ação, ela também se manifesta espontaneamente e revela o homem como uma besta selvagem, a quem a consideração para com sua própria espécie é algo estranho. Quem quer que relembre as atrocidades cometidas durante as imigrações raciais ou as invasões dos hunos, ou pelos povos conhecidos como mongóis sob a chefia de Gengis Khan e Tamerlão, ou na captura de Jerusalém pelos piedosos cruzados, ou mesmo, na verdade, os horrores da recente guerra mundial, quem quer que relembre tais coisas terá de se curvar humildemente ante a verdade dessa opinião.